7 de novembro de 2009

A arte de ler II


"Não pode, pois, haver livros que a gente deva ler. Porque os nossos interesses intelectuais crescem como uma árvore ou fluem como um rio. Enquanto haja seiva adequada, há de crescer de algum modo a árvore; e enquanto haja água do manancial, o rio continuará correndo.
Não há no mundo livros que se devam ler, mas somente livros que uma pessoa deve ler em certo momento, em certo lugar, dentro de certas circunstâncias e num certo período de sua vida.
Quando os pensamentos e a experiência de uma pessoa não chegaram a certo ponto para ler uma obra -prima, esta só lhe deixará um mau sabor.
A leitura, pois, não é um ato simples; tem duas faces: o autor e o leitor. O ganho provém tanto da contribuição do leitor, por meio da sua visão íntima e da sua experiência, como do autor.
Considero o descobrimento do autor favorito de cada um como o momento definitivo da sua evolução intelectual. Há algo que se chama afinidade de espíritos, e, entre os antigos e modernos autores, devemos procurar aquele cujo espírito seja semelhante ao nosso. Só desta maneira se pode auferir real proveito da leitura. Cumpre ser independente e procurar por conta própria os mestres. Ninguém pode dizer quem será o autor favorito de cada qual; talvez nem o próprio leitor possa dizê-lo. É como o amor à primeira vista. Não se pode dizer ao leitor que ame a este ou àquele autor; mas quando se encontra com o autor a quem ama, sabe-o por uma espécie de instinto. Conhecemos casos famosos a esse respeito. Há sábios que viveram em épocas diferentes, separados por muitos séculos, mas com maneiras de pensar e de sentir tão semelhantes que, ao se encontrarem nas páginas de um livro, pareciam uma única pessoa que encontrava a própria imagem.
O descobrimento do autor faz bem, tudo é como deve ser. Dos seus livros extrai-se o sustento para a alma."
 
Lin Yutang