A
resposta a esta questão é óbvia: um livro novo é um puro artefacto que
pode ser comprado numa livraria comum, enquanto um livro usado é um
objecto de estimação que por um qualquer milagre de preservação
sobreviveu à destruição inexorável do tempo. Desprezado, abandonado por
quem não lhe deu valor, aguarda num local especial, alguém que lhe dê
uma nova morada. A idade de um livro novo é sempre a mesma, todo ele
brilha exibindo-se nas montras das livrarias, mas, pelo contrário, um
livro usado está escondido e pode ter entre apenas uns dias a uns
séculos de idade. As suas páginas empalideceram, as capas deixaram de
cintilar. Contudo, tornaram-se vintage e ganharam glamour. Mas
a real diferença é mais substancial. Não existe nenhuma aura de
mistério sobre um livro novo, ele não tem nenhuma história, a não ser a
contida no próprio livro. O preço varia pouco e resulta principalmente
do número de exemplares editados. O livro usado está cheio de mistérios:
Quantos anos tem? Quantos leitores teve? Quem eram? Para onde o
levaram? A quem o dedicaram? Com que sentimentos o fizeram? O seu valor
comercial é outro mistério, depende do facto de o livro se encontrar em
bom estado de conservação, ser ou não uma edição esgotada, uma primeira
edição, uma edição limitada ou fac-similada, mas o que determina
verdadeiramente o seu valor é aquilo que alguns acreditam que vão
conseguir por ele e quanto vale o desejo de outros o possuir.
O
livro antigo frequentemente desaparece sem deixar rasto e quando mais
precisamos dele. Podemos até entrar em dezenas de livrarias, passar os
olhos por centenas de estantes, apontar o dedo a milhares de títulos e
no entanto, não encontrar o livro que pretendemos. O livro em segunda
mão é intrinsecamente superior ao livro novo, porque quem o compra ama
realmente o livro.
No livro usado há
sobretudo esse tempo que é transportado fisicamente pelos livros. Esse
pó que fica nos livros. O pó do tempo. Nos novos instrumentos não haverá
pó. É só o que lhes falta. Esse pó quer dizer o tempo, a própria
essência da nossa vida.*
Jaime Bulhosa
* Eduardo Lourenço
Fonte: Pó dos livros