27 de julho de 2011

Qual diferença entre livro novo e usado?


A resposta a esta questão é óbvia: um livro novo é um puro artefacto que pode ser comprado numa livraria comum, enquanto um livro usado é um objecto de estimação que por um qualquer milagre de preservação sobreviveu à destruição inexorável do tempo. Desprezado, abandonado por quem não lhe deu valor, aguarda num local especial, alguém que lhe dê uma nova morada. A idade de um livro novo é sempre a mesma, todo ele brilha exibindo-se nas montras das livrarias, mas, pelo contrário, um livro usado está escondido e pode ter entre apenas uns dias a uns séculos de idade. As suas páginas empalideceram, as capas deixaram de cintilar. Contudo, tornaram-se vintage e ganharam glamour. Mas a real diferença é mais substancial. Não existe nenhuma aura de mistério sobre um livro novo, ele não tem nenhuma história, a não ser a contida no próprio livro. O preço varia pouco e resulta principalmente do número de exemplares editados. O livro usado está cheio de mistérios: Quantos anos tem? Quantos leitores teve? Quem eram? Para onde o levaram? A quem o dedicaram? Com que sentimentos o fizeram? O seu valor comercial é outro mistério, depende do facto de o livro se encontrar em bom estado de conservação, ser ou não uma edição esgotada, uma primeira edição, uma edição limitada ou fac-similada, mas o que determina verdadeiramente o seu valor é aquilo que alguns acreditam que vão conseguir por ele e quanto vale o desejo de outros o possuir.
O livro antigo frequentemente desaparece sem deixar rasto e quando mais precisamos dele. Podemos até entrar em dezenas de livrarias, passar os olhos por centenas de estantes, apontar o dedo a milhares de títulos e no entanto, não encontrar o livro que pretendemos. O livro em segunda mão é intrinsecamente superior ao livro novo, porque quem o compra ama realmente o livro. 

No livro usado há sobretudo esse tempo que é transportado fisicamente pelos livros. Esse pó que fica nos livros. O pó do tempo. Nos novos instrumentos não haverá pó. É só o que lhes falta. Esse pó quer dizer o tempo, a própria essência da nossa vida.*

Jaime Bulhosa

* Eduardo Lourenço

Fonte: Pó dos livros