16 de dezembro de 2010

Aceitar o que existe

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 ㅤㅤEra uma vez, numa longínqua província, um pai desolado que segurava no colo sua filha caçula. Essa criança não havia podido satisfazer sua fome havia alguns dias e seu pai temia por sua vida.
 ㅤㅤHavia alguns meses que não chovia e os bruxos não previam nenhuma nuvem por longos meses ainda. Então, esse pai, chamado "Homem Direito" na língua de seu país, reuniu todos os homens válidos. Ele lhes lembrou que havia no centro da cidadezinha uma imensa árvore que produzia frutas em abundância durante o ano inteiro. Ninguém colhia essas frutas, pois se sabia desde os primórdios do tempo que um dos galhos centrais da árvore dava boas frutas enquanto o outro galho produzia frutas venenosas que podiam matar. Ao longo dos séculos, haviam esquecido qual era o lado bom.
ㅤㅤ"Homem Direito" disse aos outros homens da cidadezinha:
 ㅤㅤ- Olhem, minha filha vai morrer e eu não posso me resignar quanto a isso. Então, subirei na árvore e comerei uma fruta. Se eu estiver do lado certo, viverei e farei viver toda nossa cidadezinha, que matará sua fome com as frutas que cobrem essa árvore toda noite. Se eu estiver do lado errado, morrerei, mas vocês saberão que é do outro lado da árvore que devem colher as frutas. Se eu morrer, prometam-me que vocês salvarão minha filha, que a alimentarão.
 ㅤㅤE assim foi feito. "Homem Direito" subiu na árvore, pegou uma fruta, comeu e ... viveu! A partir desse momento a cidadezinha prosperou. Alguns meses mais tarde, a chuva voltou e os campos se tornaram verdes novamente. Tudo parecia se passar da melhor forma possível.
 ㅤㅤMas, numa noite de lua cheia, alguns rapazes da cidadezinha se reuniram. Eles falaram sobre a grande árvore e lamentaram o fato de esta última dar dois tipos de frutas. Eles não podiam aceitar que o perigo do erro entre as duas espécies de frutas persistisse. Então, decidiram serrar o galho que dava frutas ruins. E assim foi feito. Orgulhosos de seu ato, foram se deitar.
 ㅤㅤDe manhã, qual não foi o horror dos habitantes da cidadezinha: a árvore inteira estava morta, as frutas boas juncavam o chão juntamente com as ruins. A extraordinária fonte da cidadezinha não existia mais!
 ㅤㅤFoi uma terrível perda. Os anciãos da cidadezinha, muito entristecidos, diziam:
 ㅤㅤ- Os rapazes não haviam entendido que não existe bem sem mal, paz sem guerra, verdade sem mentira, nem felicidade sem sofrimento. É assim que a vida é feita e a sabedoria mais profunda consiste em aceitar o que existe.
Adaptação de um conto tradicional


Livro: Aceitar o que existe
Autoras: Rosette Poletti e Barbara Dobbs
Editora: Vozes